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Comecei a ficar mais atenta às verdadeiras razões dos meus choros, que, aliás,
costumam ser raros. Já aconteceu de eu quase chorar por ter tropeçado na rua,
por uma coisa à-toa. É que, dependendo da dor que você traz dentro, dá mesmo
vontade de aproveitar a ocasião para sentar no fio da calçada e chorar como se
tivéssemos sofrido uma fratura exposta. Qualquer coisa pode servir de motivo.
Chorar porque fomos multados, porque a empregada não veio, porque o zíper
arrebentou bem na hora de sairmos pra festa. Que festa, cara-pálida? Por
dentro, estamos em pleno velório de nós mesmos, chorando nossa miséria
existencial, isso sim. Não pretendo soar melodramática, mas é que tem dias em
que a gente inventa de se investigar, de lembrar dos sonhos da adolescência, de
questionar nossas escolhas, e descobre que muita coisa deu certo, e outras não.
Resolve pesar na balança o que foi privilegiado e o que foi descartado, e sente
saudades do que descartou. Normal, normalíssimo. São aqueles momentos em que
estamos nublados, um pouco mais sensíveis do que gostaríamos, constatando a
passagem do tempo. Então a gente se pergunta: o que é que estou fazendo da
minha vida? Vá que tudo isso passe pela sua cabeça enquanto você está
trabalhando no computador. De repente, a conexão cai, e em vez de desabafar com
um simples palavrão, você faz o quê? Cai no berreiro. Evidente. Eu sorrio muito
mais do que choro, razões não me faltam para ser alegre, mas chorar faz bem,
dizem. Eu não gosto. Meu rosto fica inchado e o alívio prometido não vem. Em
público, então, sinto a maior vergonha, é como se estivesse sendo pega em
flagrante delito. O delito de estar emocionada. Mas emocionar-se não é uma
felicidade? Neste admirável mundo de contradições em que a gente vive, podemos
até não gostar de chorar, mas trata-se apenas da nossa humanidade se
manifestando: a conexão do computador, às vezes, cai; por outro lado, a conexão
conosco mesmo, às vezes, se dá. Sendo assim, sou obrigada a reconhecer: chorar
faz bem, não importa o álibi. É sempre a dor do crescimento. - Martha
Medeiros