Saturday, January 29




(...) foi naquele dia de inverno, em 1975, logo depois de ter cortado a última pipa, quando avistei baba no telhado lá de casa, batendo palmas, sorrindo radiante. Baixei os olhos para Sohrab. Um dos cantos da sua boca tinha se curvado um tantinho para cima.
Um sorriso.
De um lado só.
Que mal se notava.
Mas que estava ali. Atrás de nós, crianças saíam correndo em disparada e um monte daqueles caçadores perseguia aos gritos a pipa solta que continuava voando acima das árvores. Foi só eu piscar os olhos e o sorriso tinha desaparecido. Mas existiu. Eu vi.
— Quer que tente apanhar essa pipa para você? O seu pomo-de-adão subiu e desceu quando engoliu. O vento agitou o seu
cabelo. Pensei ter visto ele fazer que sim com a cabeça.
Por você, faria isso mil vezes! — me ouvi dizendo. 
Virei, então, e saí correndo.
Tinha sido apenas um sorriso, e nada mais. As coisas não iam se ajeitar por
causa disso. Aliás, nada ia se ajeitar por causa disso. Só um sorriso. Um sorriso
minúsculo. Uma folhinha em um bosque, balançando com o movimento de um
pássaro que alça vôo.
Mas me agarrei àquilo. Com os braços bem abertos. Porque, quando chega a
primavera, a neve vai derretendo floco a floco, e talvez eu tivesse simplesmente
testemunhado o primeiro floco que se derretia. Saí correndo. Um adulto correndo em meio a um enxame de crianças que
gritavam. Mas nem me importei. Saí correndo, com o vento batendo no rosto e um
sorriso tão grande quanto o vale do Panjsher nos lábios.
Saí correndo. "

O Cacador de Pipas - Khaled Hosseini